O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM) foi palco do seminário internacional Cannabis amanhã: um olhar para o futuro, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pela Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi) no último final de semana, 8 e 9 de julho.

O evento contou com a participação de organizações sociais, pesquisadores, profissionais da saúde e representantes da sociedade em discussões sobre o acesso, pesquisa e regulamentação do uso da cannabis para fins medicinais. 

E um dos grandes nomes que estiveram por lá foi o neurocientista Sidarta Ribeiro, professor da Universidade Federal do Grande do Norte, que enfatizou que a proibição da cannabis no Brasil não cumpriu o que prometeu – diminuir o uso recreativo da substância e a violência envolvida no mercado ilegal da planta – e isso está sendo percebido pela população.

“As pessoas estão se conscientizando de que foram enganadas, de que muita injustiça foi cometida em nome dessa guerra contra a maconha e que, na verdade, se elas precisam, ou se algum familiar, algum amigo precisa dessa substância para lidar com situações de vida ou morte, elas são capazes de romper as amarras desse difamação que a maconha sofreu por muitas décadas.”

O líder indigenista e ambientalista Ailton Krenak também esteve presente no evento. Ele lembrou que a cannabis foi introduzida no Brasil pelos povos africanos e, depois incorporada aos rituais de alguns povos indígenas há 300 anos.

“A gente não pode naturalizar a ideia de que a cannabis integra o repertório de conhecimento dos povos originários daqui da América do Sul. Ela não é nativa daqui, ela veio para cá com os povos que vieram da África, né? Tem gente que acha que ela entrou pelo Caribe, pela América Central, tem outros historiadores que dizem que os povos que vieram do Benim, da África, levaram ela para o Maranhão e daí ela entrou na Amazônia.”

Krenak destaca a importância das plantas medicinais no saber tradicional dos povos originários, muitas cantadas em rituais tradicionais e outras integrantes de mitos fundadores desses povos.

“O uso medicinal e o uso ritualístico, ele foi integrado a outras práticas, assim como a jurema. A jurema é daqui, é nativa, os povos indígenas do Nordeste têm os rituais da jurema e assimilaram essa planta que veio da África como uma planta que é parente da jurema”.

Estudos

O médico sanitarista e assessor de relações institucionais da Fiocruz, Valcler Rangel, explica que a Fiocruz pretende implantar ações para induzir a pesquisa na área, com o objetivo de possibilitar o uso da cannabis medicinal como um recurso para a saúde pública.

“A gente está formulando uma proposta de indução de pesquisas e estudos amplos nessa área, estudos interdisciplinares, pegando no campo biológico, dos estudos clínicos e também das ciências sociais. A ideia é induzir estudos voltados para essa questão do uso medicinal da cannabis, com a constituição de plataformas de análise e a criação de um grupo de trabalho permanente com o pessoal das universidades e da sociedade civil, que trabalhe uma agenda combinada das instituições para esse enfrentamento das dificuldades do uso da cannabis”.

A advogada Margarete Brito, fundadora e diretora da Apepi, explica que a associação foi criada em 2014 para ajudar familiares e pacientes que viram na cannabis medicinal uma grande melhora na qualidade de vida de pessoas com doenças rara e neurológicas, como epilepsia.

Este é o terceiro evento que a associação promove em parceria com a Fiocruz, sendo o primeiro em 2018. De acordo com a advogada, os palestrantes apresentaram muitos avanços nas pesquisas, esclarecimento médico e no uso da cannabis medicinal no país.

“Até por relato de participantes, médicos, pesquisadores que estão nessa edição, dizendo o quanto o debate avançou. As associações já estão conseguindo plantar e abrir espaço para pesquisa. Hoje, a Apepi tem parceria com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e com a Unicamp, que faz a dosagem de todos os óleos. No último seminário, em 2019, isso nem existia.”

Ela destaca a importância de se amadurecer o debate em torno da maconha medicinal, até para baratear o acesso aos medicamentos, ainda muito caros. Para a advogada, o preço pode baixar com a aprovação do Projeto de Lei (PL) 399/15, que regulamenta o plantio de Cannabis sativa para fins medicinais e a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta.

O PL foi aprovado na comissão especial da Câmara dos Deputados no ano passado, mas teve o trâmite novamente interrompido.

“Ainda é muito caro. Além de melhorar o acesso, você gera riqueza para o país, né? Porque hoje existem inúmeras pessoas que ainda usam o produto que vem lá de fora, pagando em dólar. Como o Sidarta diz, é igual você importar mandioca para fazer farinha.”

Com informações da Agência Brasil