A pequena cidade de Mantena, MG, vem ganhando destaque nos últimos dias após o magistrado do Juizado Especial da Comarca de Mantena, juiz de direito Thiago Guimarães Emerim, emitir um entendimento de que o artigo 28 da Lei 11.343/2006 (Lei das Drogas) é incompatível com o sistema constitucional vigente e determinar o arquivamento de todos os procedimentos em andamento naquele juízo, inclusive em fase de investigações.
Desde fevereiro deste ano todos os processados em situação semelhante são absolvidos na comarca. De acordo com o magistrado, uma eventual criminalização do porte de drogas para consumo próprio, sem dano ou perigo de dano à esfera jurídica de terceiros, não tem respaldo em um Estado democrático de direito.
“Isso implicaria ingerência indevida na esfera da autonomia privada do cidadão, prevista no artigo 5º da Constituição Federal, violando também a dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º da Carta Magna”, disse o juiz em decisão.
O juiz salientou que o delito, que está no artigo 28 da Lei 11.343/06 tem sua constitucionalidade questionada por meio do Recurso Extraordinário 635.659. O RE está em análise no Supremo Tribunal Federal, mas está parado devido a um pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes.
“O princípio da ofensividade impede exatamente que condutas que não representam um dano ou perigo de dano à esfera jurídica de terceiros venham a ser tipificados como crime ou contravenção”, explicou o magistrado.
Em entrevista ao portal G1, o Ministério Público de Minas Gerais disse que já foram protocolados mais de 400 recursos no Tribunal de Justiça de Minas Gerais para reverter a situação do juiz.
“O TJ de Minas está analisando as correições parciais e as Turmas Recursais estão analisando as apelações. Até o momento não fui intimado em relação a qualquer decisão relativa a tais órgãos, embora saiba que é o entendimento das Turmas Recursais da validade da eficácia do Artigo 28 da (lei) 11.343, de modo que aguardo que, pelo menos, as apelações sejam providas”, disse o promotor de Justiça, Caio Pallú Costa, ao G1.
Já a Associação dos Magistrados Mineiros, por sua vez, saiu em defesa do juiz. Segundo nota publicada por ela, `o juiz Thiago Guimarães Emerim é magistrado de honradez e capacidade reconhecidas perante a Magistratura e a comunidade jurídica`.
“As decisões do juiz Thiago Guimarães Emerim relativas ao artigo 28 da Lei 11.343/2006 (Lei das Drogas), assim como as de outros magistrados que vão no mesmo sentido, se baseiam nas Lei e na Constituição Federal e na liberdade de convencimento e interpretação, que é conferida pela legislação aos magistrados e que é pilar da independência judicial e do Estado de Direito“, ressaltou a Associação.
De acordo com o jornal O Estado de Minas, o magistrado já proferiu decisões semelhantes nas demais cidades que compõem a comarca e que pertencem à mesma jurisdição – Mendes Pimentel, Itabirinha de Mantena, Central de Minas, São João do Manteninha, São Félix de Minas e Nova Belém. O Ministério Público recorreu contra as decisões, que aguardam análise pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais e pela Turma Recursal de Governador Valadares.
Veja o que diz o artigo 28 da Lei 11.342/06:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
§ 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
§ 5º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
§ 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I – admoestação verbal;
II – multa.
§ 7º O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.