Este artigo investiga pesquisas recentes sobre os efeitos dos psicodélicos na criatividade e na capacidade cognitiva, concentrando-se em dois estudos inovadores publicados na revista Translational Psychiatry.
Apesar do grande número de pesquisas positivas destacando os benefícios dos psicodélicos para a saúde mental, ainda há uma lacuna na literatura científica sobre os efeitos dessas substâncias na capacidade cognitiva e na criatividade.
Dois artigos da revista Transational Psychiatry apresentam os resultados de estudos focados em como os psicodélicos são responsáveis por alterar nossos padrões cognitivos e criativos e como essas mudanças podem apresentar novas maneiras de melhorar nossa saúde mental e qualidade de vida.
O impacto dos psicodélicos na criatividade
Natasha Mason é professora assistente e pesquisadora na Maastricht University, Holanda, cuja pesquisa se concentra em neuropsicofarmacologia, psicodélicos, cannabis e neuroadaptações. Em seu trabalho de pesquisa de doutorado intitulado Cognição criativa espontânea e deliberada durante e após a exposição à psilocibina, Mason faz a pergunta: os psicodélicos aumentam a criatividade?
Como foi feito o estudo?
Este estudo de um ano usou um design balanceado, randomizado (1:1), controlado por placebo, duplo-cego e de grupos paralelos. Sessenta participantes saudáveis, com experiência anterior com uma droga psicodélica (mas não nos últimos 3 meses), foram divididos em dois grupos experimentais de dose oral: psilocibina 0,17mg/kg ou placebo.
O estudo foi realizado em 3 visitas nas quais os participantes concluíram tarefas de criatividade que avaliaram mudanças no pensamento divergente, que é a capacidade de gerar ideias novas e originais, e no pensamento convergente, a capacidade de avaliar a utilidade e a eficácia das ideias existentes.
As tarefas que os sujeitos completaram incluíram uma tarefa de conceito de imagem que foi atribuída durante o pico de efeitos da droga (cerca de 2 horas após o tratamento), como uma avaliação do pensamento convergente e divergente. Como Mason explica no artigo, “a [tarefa de conceito de imagem] consiste em 17 estímulos. Cada uma delas contém entre 4 e 12 imagens coloridas exibidas em uma matriz. Os participantes tiveram 30 segundos por estímulo para encontrar uma associação entre uma das imagens em cada linha. Especificamente, eles foram solicitados a dar a solução correta primeiro, já que existe apenas uma resposta correta.
Por um lado, o pensamento convergente foi medido pelo número de respostas corretas dadas. Por outro lado, o pensamento divergente foi avaliado pedindo aos participantes que dessem o maior número possível de respostas alternativas, para então calcular vários parâmetros, como fluência, originalidade e a proporção de ambos. Os participantes também foram solicitados a listar o maior número possível de usos para dois itens domésticos comuns e tiveram 3 minutos por item para fazê-lo. Os dados coletados incluíram linha de base (sem substância), aguda (durante a viagem) e de longo prazo (7 dias pós-aguda).
Então, os psicodélicos afetam a criatividade?
O estudo descobriu que os psicodélicos não necessariamente melhoram o pensamento criativo geral. Em vez disso, eles estão envolvidos em mudanças em certas construções do pensamento criativo ao longo do tempo. O estudo apresenta que existem duas formas de pensar quando o assunto é criatividade: a deliberada e a espontânea. A criatividade deliberada é aquela que se concentra em uma tarefa e usa o pensamento lógico para atingir um objetivo. A criatividade espontânea é quando você está mais relaxado e sua mente está livre para pensar sem limitações.
Os pesquisadores explicaram que depois que os participantes tomaram psicodélicos, eles disseram que se sentiram mais perspicazes, mas na verdade geraram menos ideias. Isso sugere que os psicodélicos podem ter aumentado o pensamento criativo espontâneo, mas diminuído o pensamento criativo deliberado.
O estudo também descobriu que uma semana depois de tomar psicodélicos, as pessoas geraram mais ideias novas, indicando que sua criatividade havia melhorado. Os pesquisadores sugerem que o equilíbrio entre o pensamento criativo espontâneo e deliberado é importante para a criatividade produtiva e que os psicodélicos podem perturbar temporariamente esse equilíbrio. Porém, com o tempo, esse equilíbrio pode ser restabelecido e até melhorado, levando a uma maior criatividade.
Compreendendo a conexão entre capacidade cognitiva e psicodélicos
Outro estudo com foco nos efeitos psicodélicos na cognição foi conduzido por Mano j K. Doss, neuropsicofarmacologista cognitivo do Instituto John Hopkins. A pesquisa foi publicada na Translational Psychiatry, intitulada A terapia com psilocibina aumenta a flexibilidade cognitiva e neural em pacientes com transtorno depressivo maior. O estudo se concentrou no efeito da psilocibina na capacidade cognitiva e nos efeitos a jusante que ela pode ter no tratamento de transtornos do humor, como a depressão, melhorando a capacidade dos pacientes de pensar com flexibilidade.
Como foi feito o estudo e quais foram os resultados?
Os pesquisadores analisaram 24 pacientes com depressão severa e descobriram como a psilocibina afetava o pensamento, a fiação cerebral e certos produtos químicos cerebrais.
A equipe de Doss concluiu que psicodélicos como psilocibina e MDMA podem afetar a codificação de memórias que dependem de detalhes específicos, mas podem melhorar a codificação de memórias que dependem da familiaridade. Isso difere de drogas como a cetamina, que parecem interromper os dois tipos de codificação de memória.
Além disso, o estudo sugere que os psicodélicos podem permitir que o cérebro ignore ou minimize a necessidade do hipocampo, a parte do cérebro que ajuda a mediar como o córtex aprende com memórias mais “permanentes” que surgem de representações regulares em memórias episódicas. Isso significa que os psicodélicos podem ajudar a reescrever memórias desadaptativas que foram codificadas no córtex, especialmente depois de anos vivenciando-as quando deprimidas ou depois de anos internalizando eventos traumáticos. Isso pode fornecer um novo conjunto de influências contextuais que auxiliam uma nova codificação, mesmo depois que ela desaparece e você fica sóbrio novamente.
Além disso, os pesquisadores descobriram que a psilocibina ajudou os pacientes a pensar com mais flexibilidade por pelo menos quatro semanas após o tratamento. No entanto, essas melhorias não foram diretamente relacionadas à capacidade do tratamento de reduzir os sintomas de depressão.
Então, uma semana após o tratamento, foram observadas mudanças nas substâncias químicas do cérebro e nas conexões entre duas regiões importantes do cérebro. Curiosamente, eles descobriram que um aumento maior nas conexões cerebrais estava associado a uma melhora menor no pensamento flexível. Isso sugere que pode haver um equilíbrio matizado e ideal de flexibilidade cerebral que pode ajudar as pessoas a romper com os padrões de pensamento negativo, mas que muita flexibilidade pode não ser útil.
Esses estudos recentes lançam luz sobre a complexa relação entre psicodélicos e processos cognitivos, revelando que os psicodélicos podem influenciar a criatividade e a cognição de maneiras diferenciadas.
Embora os psicodélicos possam não melhorar diretamente o pensamento criativo em geral, eles podem estar envolvidos na mudança de aspectos específicos do pensamento criativo ao longo do tempo. Além disso, os pesquisadores destacam a importância de um equilíbrio ideal da flexibilidade cerebral no tratamento de transtornos mentais. E eles sugerem que os psicodélicos podem ajudar os pacientes a romper com os padrões de pensamento negativo, mas ser muito flexível pode ser contraproducente.
Em última análise, essas descobertas contribuem para nossa compreensão dos potenciais benefícios terapêuticos e mecanismos de ação dos psicodélicos, abrindo caminho para uma melhor compreensão do papel que as mudanças na capacidade cognitiva podem ter na criatividade e na saúde mental dos pacientes.
Matéria originalmente publicada no site El Planteo e adaptada ao Weederia com autorização
