O mundo já entendeu que a planta é normal e as pessoas que podem enfrentar o estigma estão criando negócios e desbravando um mercado que movimentará mais de 190 bilhões de dólares até 2028. O Brasil não pode ficar fora dessa onda. Por isso aqui no Inovação e Maconha eu trago discussões de negócios das diversas indústrias que são alimentadas pela planta. Meu nome é Raphael Jara, sou empreendedor e trabalho no mercado da maconha há 2 anos.

Para inaugurar a coluna aqui no Weederia entrevistei Alex Lucena, diretor de inovação da Green Hub – uma aceleradora de startups atuantes no mercado da Cannabis.

Você pode ouvir aqui a entrevista completa onde o Alex contou várias histórias e citou diversos exemplos que não entraram no resumo:

Inovação e Maconha – Entrevista com Alex Lucena, Diretor de inovação da Green Hub.

Me encontrei com Alex Lucena no prédio Civi-co, um coworking que une negócios focados na geração de impacto real, onde a The Green Hub toca suas operações.

Raphael Jara: Primeiro de tudo, Alex: Quem é você, qual é o seu trabalho aqui na Green Hub e o que te motivou a entrar neste mercado?

Alex Lucena: Eu sou um empreendedor da velha guarda, tenho um pouquinho mais de cabelos brancos do que você, mas venho do mundo digital.

Vi a internet nascer no Brasil. Em 95/96 ,junto com meus irmãos na incubadora da PUC do Rio de Janeiro, estávamos lançando uma das primeiras empresas de tecnologia na área de educação. Uma plataforma de educação online quando a internet ainda era muito nova. A empresa chamava-se Eduweb.

20 anos depois vendemos a empresa para um grupo de investimento. Fizemos na verdade uma fusão de diversas tecnologias educacionais quando isso tudo era inovação, na década de noventa.

Fiz a minha saída desse negócio e tive a oportunidade de ir para o Canadá, que hoje é referência na área da Cannabis, onde trabalhei ainda na área de educação e tecnologia por um tempo e voltei ao Brasil em 2013.

Então dei uma pivotada e fui para o mercado de saúde, na época era um mercado ainda em abertura com as primeiras aceleradoras de HealthTech como a Eretz.bio do Einstein, por exemplo. 

Comecei então a trabalhar com grandes grupos no Rio de Janeiro, fui uma das pessoas que ajudou a montar a área de inovação da Rede D’or e estava bem imerso na área da saúde quando ocorreu o link com a área da Cannabis.

Recebi um contato pelo linkedin da CW Hemp, do Colorado, que estava procurando por um consultor para pensar os primeiros passos de sua operação no Brasil através da importação na 335, que foi onde tudo começou.

Achei engraçado e no momento até zuei minha esposa: “Acho que acabei de ser contratado pra trabalhar com uma empresa de maconha!”. Depois perguntei como eles haviam me achado e a resposta foi exatamente pelo meu histórico trabalhando na área de e-learning.

Então meu primeiro trampo para eles em 2017 foi justamente o de botar um portal no ar em português com conteúdos educacionais para a gente construir uma relação principalmente com os médicos prescritores, mas também voltado para a sociedade em geral para quebrar os tabus em torno desse tema.

Foi através dessa porta que eu entrei no mercado. A indústria da Cannabis que me chamou, não o contrário.

Eu digo a você, como empreendedor agora aos 55 anos, que talvez essa seja a coisa mais bacana que eu esteja fazendo. Essa é uma indústria que carrega muito mais propósito consigo.

Conheci então os fundadores e me apaixonei pela proposta da Green Hub onde hoje sou sócio e Diretor de Inovação. 

A Green Hub é uma empresa de educação montada para que diversos setores venham olhar a Cannabis desde AgriTech, HealthTech, Education, TI, mídia, LegalTech e enfim tudo o que é necessário para que todos venham empreender nas oportunidades do Mercado.

Nós temos também uma aceleradora que hoje conta com 12 Startups no portfólio e na qual estamos com uma chamada aberta para novos negócios que queiram somar com a gente. Estamos à procura de massa crítica então fica aqui o convite.

RJ: Qual é, exatamente, o papel da Green Hub em auxiliar os negócios durante o processo de aceleração de startups? Você pode citar alguns exemplos de negócios que hoje estão neste processo?

AL: Para falar sobre o nosso trabalho vou dar alguns exemplos da nossa carteira de negócios. As oportunidades vão de “seed to sales”, desde a semente até as vendas.

A semente é um negócio BioTech. O estado da arte do que estamos falando aqui será o momento em que eu consigo criar uma semente que vai produzir uma planta que vai cruzar com a minha ou com a sua genética. Isso não é futurologia, isso é muita ciência e BioTech puro. 

Temos uma startup chamada Adwa que fica em Viçosa, MG e que está despontando nesse segmento. É uma das poucas startups ligadas à universidades que têm a autorização jurídica para manipular a planta. É um business de alto valor por se tratar de inovações genéticas para os mais diversos usos da Cannabis.

Depois disso existe toda a parte de transformação da planta, a parte do Agro. Trabalhar com a planta é essencialmente AgroTech. Conhecemos inclusive muita gente do Agro que está só aguardando essa mudança de chave para trocar a soja por Cannabis.

Aqui cabe uma observação que gosto de fazer para todos os empreendedores brasileiros: O Brasil, do ponto de vista regulatório, é um dos países mais atrasados do planeta Terra mesmo quando comparado aos nossos vizinhos como o Paraguai, o Uruguai e a Argentina, por exemplo. Mas isso quer dizer que então eu preciso esperar o Brasil liberar? Não.

A indústria da Cannabis é global. Ela nasce global por essência. Na nossa última chamada nós selecionamos duas startups fundadas por brasileiros que operam fora do país.

A CBE.Different, que hoje opera no Uruguai conduzindo um grow incrível com cabeça de Lab voltado fortemente para a indústria de cosméticos.

E no Canadá temos a Blue Hops fundada por brasileiros que vieram da área de alimentos e bebidas. Acabamos de lançar em Toronto o primeiro Ketchup com infusão de THC, que é uma delícia e com o qual no momento estamos na busca de um parceiro que possa levar a produção à escala industrial.

Nós trabalhamos aqui na Green Hub como uma plataforma de negócios. A gente rema junto com o empreendedor na medida em que ele faz parte da nossa família do portfólio. Em todos os sentidos. É o que eu chamo de Desenvolvimento de Negócios.

Desenvolvimento de negócios pode significar desde eu conectar a startup com um veículo de comunicação para fins de marketing, pode significar o direcionamento de uma oportunidade advinda de uma empresa de grande porte que conectamos com uma de nossas startups para a venda da consultoria e da implementação de um projeto, pode significar conectar as pessoas certas para compor o seu time fundador. É sobre tudo o que eu posso fazer enquanto um Hub para que o seu negócio seja bem sucedido, para que o seu negócio prospere.

Desenvolvimento de negócios sempre passa pela captação de investimento. Sempre. Isso é uma dor comum a todos. Antes de conversar com um investidor anjo ou institucional nós sentamos juntos para arredondar o plano de negócio, para ajudar nessa construção e depois vamos buscar esse investimento junto contigo.

Nosso método é Hands On (mão na massa). Eu sou empreendedor, todos os sócios são empreendedores, todos com suas histórias de vitórias e de derrotas, não tem ninguém teórico aqui.

RJ: Como que a empreendedora ou o empreendedor faz para entrar na família da Green Hub e se juntar com quem está movimentando o mercado da Cannabis?

Para entrar é só cadastrar o seu negócio no link  https://thegreenhub.com.br/chamada-das-startups/ onde pedimos algumas informações básicas do negócio.

Na hora da inscrição não tenha medo de julgamento: A indústria da Cannabis é nova e nós recebemos muitos projetos que estão em fase de ideação, menos projetos que já estão tracionados e muito menos projetos que já estão faturando ou que tenham levantado investimento.

Nossa tese é abrangente, abraçamos projetos em diferentes estágios e temos sempre o escopo de fomento ao empreendedorismo.

Independente do seu negócio ser selecionado ou não para a próxima turma de aceleração, ao fazer a inscrição você já está fazendo parte da família. Nós já vamos disponibilizar muita coisa pra te educar com um material feito com muito critério pra você entender mais sobre o regulatório, sobre empreendedorismo e do que você precisar para a sua entrada no mercado.

A gente vai deixar a inscrição aberta até o final de julho. A seleção é feita por um comitê de inovação do qual eu faço parte com mais 7 pessoas com perfis totalmente diferentes.

Eu pessoalmente analiso mais pelo lado do business e principalmente da equipe porque ninguém faz nada sozinho e é necessário compor um somatório de competências.

Um critério hoje imprescindível de seleção é a ESG. É dessa forma que a gente trabalha. Buscamos empresas que tenham uma preocupação com o ecossistema, empresas que tenham pluralidade dentro de seus quadros e que trabalham a transparência para com todos os stakeholders.

E além disso a gente analisa o negócio em si: É um negócio inovador? Existe um mercado que vai comprar esse produto ou serviço? Esse mercado é escalável?

A gente então toma a decisão e a próxima turma começa efetivamente em Setembro.

Nós trabalhamos em ciclos. O primeiro ciclo ocorre esse ano e nele nos debruçamos sobre o plano de negócios do projeto juntamente com um grupo multidisciplinar contando com cientistas renomados como Stevens Rehen e mentores de diversos segmentos como Clarice Pires, Marcel Grecco, Bruno Scott dentre outros que olham o negócio por todos os ângulos e, se a gente acredita, a gente vai dentro com tudo o que a gente tem de capital intelectual, de relacionamento e passamos a fazer parte do negócio.

A chamada é apenas um momento, mas nós estamos buscando projetos o ano todo aqui no Brasil e no mundo.

 * Pedi para que o Alex passasse sua visão geral do mercado da Cannabis no Brasil *

AL: Nós operamos 110% dentro do regulatório do que é permitido de trabalhar no Brasil. Isso significa que, para negócios no Brasil, o que temos para hoje é o medicinal.

Como não faz sentido nenhum não poder plantar cânhamo para os fins das inúmeras indústrias que podem se alimentar dessa matéria-prima, estamos confiantes que o Brasil em breve vai surfar essa onda também.

Quanto ao recreativo, se 20% da população brasileira fuma maconha, nós estamos falando de 40 milhões de pessoas que hoje sem nenhuma legalização fazem uso da cannabis no Brasil. O mercado já existe desde sempre. A discussão que nós temos aqui é a de virar a chave de “ilegal” para “legal”.

Quando essa mudança de chave ocorreu no Canadá, o número de consumidores se manteve o mesmo do que sempre foi. Ninguém passou a fumar mais maconha porque o governo canadense liberou. Quem fumava fumava e quem não fumava não fumava.

O nosso país hoje já é um dos maiores produtores mundiais mas essa discussão é complexa por aqui porque o Brasil é um país extremamente conservador em todas as suas camadas sociais e sua estrutura é assustadoramente racista embora isso seja uma enorme hipocrisia já que a maconha no Brasil é consumida do mais rico do país ao mais pobre do país, é uma cultura transversal à todas as classes.

Nós conseguimos e devemos falar sobre isso, mas hoje para fazer negócio na indústria da Cannabis no Brasil estamos limitados ao medicinal. Eu acredito que muito em breve vamos também entrar com força no industrial independente do próximo governo.

É normal. A gente tem que tratar isso com normalidade.

Essa indústria da maconha vem crescendo a partir das bases da sociedade e é exatamente a normalização que vai determinar o progresso, não o legislativo. O legislativo vem depois, ele vai correr sempre atrás. O que a gente precisa fazer aqui é juntar uma bola de neve gigante de propagadores, de normalizadores.

Minha mãe nunca fumou um baseado na vida dela porque veio de uma geração que considerava isso um tabu. Hoje, aos 79 anos, minha mãe Marisa é uma das maiores divulgadoras de Cannabis medicinal que eu conheço!

Não tem uma semana que eu não receba uma mensagem de gente que conversou com ela a respeito de alguma enxaqueca, algum problema que pode ser resolvido com Cannabis e que veio conversar comigo por recomendação dela. É isso o que eu quero dizer com normalização. 

Tudo começa nessas conversas, na leitura de artigos científicos, tudo baseado em evidências, na ciência pura feita com muita responsabilidade. O Brasil é o maior publicador de papers científicos de Cannabis no mundo e o terceiro maior publicador de papers científicos de psicodélicos.

O sistema endocanabinoide é pura ciência. É um sistema neurológico. É disso que a gente tá falando aqui.

Essa bola de neve vai crescer, essa mensagem vai ecoar com outras pessoas e é assim que a gente vai chegar num país consciente. Eu tenho certeza disso e não estou falando de um futuro distante de 200 ou de 20 anos. Nós estaremos vivos e atuantes vendo tudo isso acontecer.

Raphael Jara

Raphael Jara, 28 anos, é administrador e consultor de inovação e negócios digitais com ampla experiência na criação e desenvolvimento de startups de nível global como a Dinneer (2015 – 2019).

Em 2016 foi um dos 8 empresários brasileiros selecionados para participar do programa internacional de aceleração de startups (LEAP International) da Launch Academy em Vancouver, BC, Canadá.

Em 2020 criou e implementou o programa Startup Na Escola onde alunos do ensino médio desenvolvem habilidades do mundo do empreendedorismo digital e lançam suas próprias startups sem atrapalhar seus estudos da grade da BNCC.

Também em 2020 fundou a Sativart junto com sua sócia, Elizabeth Vanuchi.

Acompanhe o Raphael Jara no Twitter: @imbecil_random