Ele é a resistência, uma voz que se move contra o sistema. Nascido e criado em São Caetano, região metropolitana de São Paulo, é vocalista de uma das maiores bandas de reggae do Brasil. Defende o amor em suas letras, a transformação e, principalmente, a justiça social. Rodrigo Piccolo, 40 anos, voz serena e presença impactante, carrega consigo uma missão: a banda Mato Seco.

Filho de um modelador e de uma dona de casa, Rodrigo conheceu o reggae por conta da irmã, ainda moleque. Quando ouviu Sun in Shining, do mestre Bob Marley, como ele faz questão de enfatizar, e Food for Thought, da banda UB40, sentiu que ali tinha algo diferente. Mas, jamais imaginou que o estilo musical que nasceu na Jamaica seria o seu caminho na vida.

“Nunca fui um cara da música, sempre fui um cara que gostava de música. E, quando fui recrutado pela família Mato, que me jogaram no meio da missão, sem eu saber tocar um  instrumento, sem nem saber cantar, ali eu vi que foi coisa de energia. A energia sempre foi movendo muito minha vida”, conta Rodrigo em uma conversa com o Weederia.

E quem já esteve em um show da Banda Mato Seco sabe muito bem que energia é esta. A ‘religião reggae music’ transforma a casa de show num santuário e as músicas do Mato, quando entoada, aproxima cada pessoa presente do divino.

“O reggae é muito espiritual. O reggae é diferente de tudo. Tem o peso espiritual, consegue mover a vida das pessoas. O reggae é remédio”.

A banda Mato Seco nasceu em São Caetano do Sul, do encontro de 07 amigos de infância. Carlos, Eric, João, Junior, Mauro, Rodrigo e Tiago não eram músicos. Mas, tinham algo em comum, além da amizade, a vontade de levar inspiração para as pessoas e protestar.

“A gente era um bando de moleque pobre e louco. A gente fez um voto de pobreza quando decidimos montar a banda. Todo mundo tinha um trampo, eu era motoboy. Era cachorro louco”, relembra Rodrigo.

Há 20 anos, quando resolveram se unir e tocar reggae, largaram o trabalho e foram aprender. Ouviram muita música jamaicana, muito Bob Marley e, também, muito Edson Gomes e Tribo de Jah.

“Pra mim, o Mato Seco sintetiza toda minha missão. Ele nunca foi um sonho de criança, foi se transformando. A música escolheu cada um de nós. A gente sempre encarou como uma missão. Eu vejo o Mato como uma ferramenta de conexão entre as pessoas, como uma ferramenta de amar”.

E, justamente por terem se transformado em músicos, o começo da banda não foi fácil. Rodrigo relembra que os primeiros shows eram ‘terríveis’. Mas, tinha ‘natural mystic’ no ar que fazia com que quem assistisse aos shows não ligasse tanto para os arranjos errados e, sim, para a mensagem passada.

Bob Marley, a grande referência da banda, talvez tenha sido quem ‘mais sofreu’ nesse começou com os desarranjos dos músicos. Ele foi a grande inspiração – e ainda é, basta ver o tanto de fotos do rei do reggae que existem no estúdio Homens do Mato -, e suas músicas foram as primeiras que eles tocaram.

Até que a aprovação do trabalho veio por meio da grande lenda Aston Barrett. Aston é baixista, é responsável pela maioria das linhas de baixo das músicas de Bob Marley, foi co-produtor de diversos discos do Bob e responsável pela maioria dos arranjos das músicas. Ou seja, tem muita propriedade para falar sobre o assunto. 

Em 2014 a Família Mato Seco gravou o Marley Expience, um tributo à Bob Marley. E, com esta gravação em mãos, Rodrigo mostrou a Aston Barrett, após um show que eles fizeram com a banda The Wailers.

“ Tivemos a oportunidade de tocar com o Wailers e mostrar o trabalho para o próprio Aston Barrett, que é o maestro vivo, e ali valeu, não que o reconhecimento do público geral não seja bom. Mas, quando o próprio Aston viu, ele pirou na hora, gostou pra caramba. Foi muito especial, a gente fez o melhor possível porque a gente acredita no legado desta música”.

De fato, como Bob foi o grande professor da banda, eles sempre sonharam em produzir um especial como o Marley Experience. Mas, foi somente quando sentiram que estavam maduros o suficiente, foi que resolveram se arriscar.  


“Sentimento de satisfação muito grande. Ali foi uma realização muito grande, como Marley e o Wailers foram nossos professores, a nossa ideia era fazer um especial desde o começo da banda”. 

Maconha e a música de protesto

A maconha surgiu na vida de Rodrigo precocemente. Aos 11 anos ele já fumava cigarro e, aos 12, começou com a maconha. Criado em um lar onde a maconha era vista como inimiga da sociedade, como em praticamente todos os lares dos países onde o proibicionismo impera, foi o gosto de tentar o proibido que levou o cantor a provar pela primeira vez.

“Com 12 eu experimentei pela primeira vez a maconha. Me interessei porque era proibido. Peguei um pouco com um amigo, pulei o muro da escola, demorei uma hora para bolar, um tempão para fumar e mais ainda para pular o muro de volta. Mas, te digo uma coisa: eu nunca tive uma bad trip com a maconha. Já com o cigarro, sim. Eu lembro que a primeira vez que eu fumei um cigarro, acabou meu dia. Com a maconha, não. Embora eu tenha ficado muito doido, eu ria da situação. Foi um casamento perfeito desde moleque”.

Um casamento perfeito, mas com gosto de encontro proibido. A proibição da maconha no Brasil ocasiona diversos problemas para o consumidor. Seja em casa ou na rua, o ‘maconheiro’ está sempre se escondendo – ou é dos pais ou da polícia.

“O caminho da proibição leva às outras drogas, como a cocaína. Um dia eu fui comprar maconha, só que não tinha. Aí o cara me ofereceu o pozinho mágico. Eu era moleque, comprei e experimentei. Mas, a maconha me tirou destas paradas. Quando eu entrei no Mato, parei de fumar cigarro, de beber e cheirar por conta da maconha”.

A união Mato Seco, reggae e maconha fez com que Rodrigo conhecesse a filosofia Rastafari. E esta ligação entre o divino e a erva foi o catalisador para ele.

“Quando eu entrei no Mato, conheci mais da cultura da erva. Foi quando eu conheci o Rastafari e comecei a conhecer a maconha de verdade. E, também, foi quando eu comecei a conhecer várias coisas, como a importância de normalizar a erva. Para, principalmente, tirar aquela coisa de que quem fuma é marginal. Eu via que não era assim”,

E, apesar de não falar sobre a maconha diretamente nas músicas do Mato Seco, as canções da banda estão cheias da erva.

“O que a gente pede nas nossas músicas, tudo diz respeito à maconha: justiça, direitos iguais, justiça social. Se tudo isso estiver bem, a maconha vai estar bem”.

A arte de protesto faz parte da essência da banda. Como eles mesmo cantam, ‘eles são a resistência, tudo que se move contra o sistema’.



“O reggae tem esta função de ser protestante, de denunciar as coisas, de abrir a mente das pessoas. Como o Bob mesmo dizia, o reggae conta a história que eles não contam nos livros de história”.

E a maconha também é inspiração. Esta conexão com o ‘divino’ faz parte do processo de criação das músicas do Mato. O ritual de criação é místico: a banda se reuni, acende um baseado, começa a conversar, a ter ideias, a fumar um pouco mais e, aí sim, partem para os instrumentos.

“A erva faz parte de quase tudo. A gente brinca que não fuma muito apenas quando está dormindo. A nossa arte é de inspiração. Não somos instruídos na música e a erva traz uma conexão muito forte. Além da conexão com o divino, ela aguça a criatividade, ela coloca a imaginação para trabalhar de uma forma diferente”.

Retomada

Após ficar quase 2 anos sem tocar por conta da pandemia do Covid-19, a banda voltou a tocar no final de 2021. 

“Foi nascer de novo”.

E foi nascer novamente 20 anos após a banda ser criada. Em 2022 eles estão rodando o Brasil comemorando os 20 anos de Mato Seco e com uma promessa: este ainda não é o ápice.
“Estamos trabalhando muito. A gente nunca imaginou que o Mato iria chegar onde chegou. Mas, este não é o ápice, ainda temos o que fazer. Muito para tocar. E vamos seguir com muito suor, trabalho e intenção positiva.

Que a banda Mato Seco e Rodrigo continue se movendo contra o sistema.