A regulamentação da maconha no Brasil poderia criar 117 mil empregos, movimentar R$ 26.1 bilhões em quatro anos e, ainda, gerar uma arrecadação de R$ 8 bilhões em impostos no mesmo período.
Estas informações são da Kaya Mind, primeira empresa brasileira de inteligência de mercado voltada à maconha. Fundada em 2020, a startup foi responsável por mensurar o impacto que a regulação da maconha traria ao país, o espaço que a erva ocupa na mídia e por criar dashboards que apresentam informações completas do mercado canábico na América Latina, tratando dos setores da saúde, mídia, governo e finanças.
“Eu, efetivamente, acredito que a cannabis pode mudar o mundo. Não que ela sozinha possa fazer isso. Mas, ela pode representar um movimento um pouco maior”, a frase é de Maria Eugenia Riscala, CEO e fundadora da Kaya Mind.
Formada em relações internacionais, Maria Eugenia conheceu a maconha e seus benefícios quando resolveu tirar um ano sabático e estudar espanhol na Espanha. O mercado muito mais avançado do que o brasileiro, assustou mas, ao mesmo tempo, abriu um mundo de novas oportunidades.
“Para mim, maconha era algo que a gente fumava e só. Eu nunca achei tão ruim e nem nunca achei tão bom assim. Era a visão que eu tinha da coisa, muito simplista. Eu lembro de chegar na farmácia e ver um negócio de hemp. Não era óleo, não tinha propriedade terapêutica, era um bálsamo de boca. Eu fui pesquisar e fiquei impressionada. Foi quando eu descobri que a cannabis tinha propriedades terapêuticas completamente inexploradas neste mundo”.
O ano sabático não durou precisamente um ano, mas valeu de experiência para Maria Eugenia conhecer ainda mais o universo canábico e ver que a erva poderia ser uma aliada em casa e ajudar a sua irmã que sofre com uma série de condições que podem ser amenizadas com o uso da cannabis.
E foi aí que a paixão aflorou. Maria Eugenia passou a pesquisar cada vez e as pesquisas resultaram na fundação do projeto Girls in Green.
“A ideia era educar, a ideia era ver o que estava rolando e traduzir. A gente não tinha este material. Você queria saber de terpenos em 2015, não existia. Existia em inglês, uma coisa mais acadêmica. Eu e minha sócia, na época, fizemos a conta no Instagram, em 2018 eu transformei num site e, em 2019, sai do projeto”.
A saída não representou um ponto final na ligação com a maconha. Pouco tempo depois Maria Eugênia já estava no mercado novamente, desta vez com a Kaya Mind.
A Kaya surgiu da união de Maria Eugênia e seu sócio Thiago Cardoso. Os dois já haviam trabalhado juntos com inteligência de mercado e viram diante das movimentações da Anvisa em relação à cannabis a oportunidade de entrar em um mercado ainda incipiente.
“A gente montou um business plan e fomos atrás de fazer uma rodada de funding para ter uma primeira estrutura. Em novembro nasceu a Kaya para ser a primeira agência de inteligência de mercado exclusiva para a cannabis num primeiro momento e, hoje, já está mais aberta”.
Cenário da maconha no Brasil
Ainda muito incipiente no Brasil, o mercado da maconha sofre com a falta de regulamentação, apesar de já termos empresas operando no país.
“A maior dificuldade é a falta de regulamentação, isso passa por qualquer instituição burocrática: como abrir uma conta ou registrar o nome da sua empresa no Inpi.”
No entanto, apesar dos entraves, Maria Eugênia acredita que o cenário da maconha no país está caminhando, ainda que em passos não tão rápidos, principalmente por conta da maior aceitação da maconha para fins medicinais por parte da sociedade. Mas, ela destaca que este caminhar se dá principalmente dentro das capitais.
“Eu acho que o mercado caminhou, sim. Mas, só acho que ele caminhou para isso, para o tratamento medicinal e, principalmente, se você é privilegiado e está dentro das capitais. A gente voltou pra trás na questão da segurança pública e do preconceito com o usuário”.
Um estudo do Ministério da Justiça publicado em 2020, mostrou que o tráfico de drogas é a principal causa do encarceramento, são mais de 163 mil pessoas presas por isso. Em sua maioria, negros ou pardos.
Segundo reportagem da revista Ponte, desde a aprovação da atual lei de drogas que vigora no Brasil, a 11.343, aprovada em 2006, o número de pessoas presas por delitos ligados à drogas aumentou em 156%. Dados do Departamento Penitenciário Nacional indicam que 65% das mulheres presas foram presas com base na lei de drogas de 2006.
“Se a gente tratar a cannabis como medicinal, na prateleira da Droga Raia, a gente continua tendo 300 mil pessoas presas por tráfico de drogas, das quais cerca de 54% são pretas, mais 20% são pardas. Você tem um percentual preso por tráfico de drogas que não corresponde à realidade do Brasil. Você tem uma lei que segue sendo racista, que segue direcionada para quem negro e para quem é pobre”.
Projeto de Lei 399/2015
No dia 8 de junho deste ano, uma comissão especial formada na Câmara aprovou o texto principal do Projeto de Lei 399/2015 que regulamenta o uso de cannabis para fins medicinais, assim como o seu cultivo para fins industriais e cosméticos. O Projeto de Lei prevê que a produção de cânhamo para fins veterinários, industriais e medicinais.
Após a aprovação do texto base do Projeto ele deveria ser enviado ao Senado, mas a oposição tratou de travar o caminho e ele pode passar pela Câmara, atrasando ainda mais a sua aprovação. No entanto, a situação do país faz Maria Eugênia acreditar que o Projeto de Lei como ele está escrito não avance.
“Eu não acho que ele passe em sua integralidade, acho que a bancada conservadora vai lutar muito para não passar. Eu não sei o PL escrito como ele foi escrito, vá para o Senado. Acho que até as eleições a gente vai colocar tudo em hold e ela vai mudar tudo”, destaca a CEO da Kaya Mind.
Relatório Cannabis na Imprensa
Uma das primeiras ações da Kaya Mind foi o lançamento do relatório ‘Cannabis na Imprensa”. O documento captou mais de 200 mil matérias publicadas entre 2018 e 2020 de mais de 200 veículos.
A análise permitiu uma visão ampla e detalhada do setor da cannabis a partir de perspectivas como: governo, medicina, negócios, uso adulto e tráfico de drogas.
“A grande surpresa foi ver o número de matérias. Muito louco ver o quanto a Anvisa, o William Dib se posicionaram. Até a posição contrária, de um Osmar Terra, por exemplo, é importante. Positivo ou negativo, falar do assunto muda tudo. Até o espaço que a grande mídia deu. Você teve isso na Globo, em todos os lugares”, destacou.
No entanto, o relatório permitiu também a leitura de quão distante está a utilização das palavras maconha e cannabis. Segundo ela, a palavra maconha está ligada à notícias, em sua maioria, negativas, enquanto a cannabis apresenta um aspecto positivo.
“70% das notícias que utilizam a palavra maconha estão relacionadas ao tráfico de drogas, negativamente. E você tem 80% das matérias que falam de cannabis ligadas a medicina, negócios, eventos e, até, uso adulto”.
Relatório O Impacto Econômico da Cannabis
O segundo passo da Kaya foi a elaboração de um relatório do impacto econômico que a regulamentação da maconha traria ao país. Pela primeira vez uma empresa utilizou a estrutura local para elaborar as bases.
“Nosso maior desafio foi trazer um número que fosse fiel ao Brasil. Todos os números que tínhamos na levavam em conta o SUS. O SUS é único”.
O levantamento da empresa de inteligência de mercado apontou que uma eventual legalização total do setor poderia criar cerca de 117 mil empregos e movimentar R$ 26 bilhões até 2025. Mas, esta conta, segundo ela, poderia chegar em trilhão.
“A gente chegava em trilhões. E por qual motivo chegou em trilhão? Vou dar um exemplo do cânhamo: você vai contar o dinheiro que a Osklen vai ganhar ao fazer camisa de cânhamo? Na verdade, o quanto este mercado vai impactar em termos de economia, pensando em tudo, é muito maior. Por mais de ter sido uma sensação de dever realizado ao produzir este relatório, ficou um sentimento de quanto dinheiro a gente está perdendo”.
Kaya Board
A última ação da empresa foi o lançamento do Kaya Board, um dashboard que reúne, de maneira visual e interativa, informações relevantes nas áreas para a indústria canábica
“A ideia surgiu de termos sido executivos em mercados regulados. Você pode escolher o que você trabalhar, alguém já está mapeando para você. O mundo é de dados, só a cannabis está ficando para trás”.
O Kaya Board é o primeiro painel de informações completas do mercado canábico na América Latina, que aborda setores de saúde, mídia, governo e finanças. Seu objetivo é aumentar o número de dados relacionados à planta existentes no mercado, assim como colaborar com a indústria canábica no desenvolvimento de informações para pensamento estratégico e tomadas de decisão.
“A ideia do Kaya Board é ser uma plataforma adaptada. Hoje, a gente já tem alguns clientes. A gente recebe os dados internos dele e compila em um único dashboard, em uma única régua”.
Um dos dados levantados pelo Kaya Board que mais chamaram a atenção foi sobre o crescimento da importação de remédios à base de maconha. De acordo com os dados obtidos, a soma de todas as solicitações feitas ao órgão regulador no primeiro semestre de 2021 corresponde a 94% das licenças do total observado de 2020.
Projeções da empresa apontam que, até o final do ano de 2021, as solicitações para a primeira importação de remédios à base de substâncias da maconha podem chegar a 39 mil, um aumento de 151% em relação a 2020.
Próximos passos
Enquanto a regulação não chega, a Kaya não para. A empresa já prepara seu próximo relatório focado na cannabis medicinal.
“A gente vai falar sobre a cannabis medicinal hoje no Brasil. Vamos mostrar quantos produtos existem no mercado de cannabis medicinal no país, o preço médio e, também, trataremos sobre estes números da Anvisa que ninguém sabe. A gente precisa saber o quanto está indo para fora para ver se o mercado não olha um pouco mais para dentro e vê se ele não quer este número em casa”.