No dia 18 de outubro comemoramos o Dia do Médico. Ainda que mesmo sob ataque por conta de algumas resoluções, é uma data muito importante para mim e para o que eu acredito. Por isso, nesta semana, após tudo o que nós, médicos prescritores de cannabis passamos e ao que vemos em nosso consultório, decidi escrever esta carta aberta a todos.

Um ato de resistência

Eu sempre sonhei em ser médica, dedicar minha vida ao próximo e, antes mesmo de entrar na faculdade, a minha grande vontade era fazer parte da equipe dos Médicos sem Fronteiras. Minha primeira experiência com voluntariado foi em 2014, quando ainda estava na faculdade e, já visando fazer parte dos Médicos Sem Fronteiras.

Quando me formei, em 2017, a primeira coisa que fiz foi me candidatar para fazer parte dos Médicos sem Fronteiras, visitei o escritório deles no Rio de Janeiro e acabei não sendo aceita por não ter o perfil desejado. Isso acabou criando uma série de dúvidas em minha cabeça mas, no fundo, eu sabia que algo estava guardado.

Em 2018 eu desenvolvi uma neurite no braço, por conta de um chip anticoncepcional que eu tinha. Quando eu fui tirar este chip a médica fez um procedimento que acabou pinçando o meu nervo e, com isso, eu acabei desenvolvendo uma inflamação no nervo.

Esta neurite fez com que eu acabasse fazendo uso de muitos remédios como a carbamazepina, codeína, tramadol e morfina. Enfim, fiz uso de inúmeros alopáticos, fisioterapia, acupuntura e não obtive resultados. Até que um médico que dava plantão comigo, me falou sobre o canabidiol e mudou meu mundo.

Eu não conhecia, não havia estudo na universidade. Mas, fui pesquisar e conheci a Abrace. Tomei o primeiro frasco e não obtive resultados satisfatórios. Só que uma característica minha e, acredito, de grande parte dos médicos que conheço, é a resiliência. Afinal, no decorrer de nossas vidas como médicos, temos de ser resilientes para enfrentar os inúmeros desafios que surgem.

Decidi tomar o segundo frasco e continuar o tratamento. Então, a minha dor começou a aliviar, a minha qualidade de vida melhorou e, consequentemente, passei a desmamar dos alopáticos. 

O canabidiol foi me salvando e aliviando os outros sintomas. Eu comecei a entender que a cannabis era muito boa e decidi que estudaria para, quem sabe, prescrever para os meu pacientes. 

Eu já tinha formação em pediatria e estava terminando a minha especialização em nutrologia pediátrica. Então, as mães de autistas me procuravam muito para fazer dietas e eu via, nos estudos, que o canabidiol poderia ser útil para elas. Se eu estava fazendo a dieta, porque não posso colocar o canabidiol junto. Comecei a prescrever o canabidiol, ver o resultado nos pacientes e conhecer, cada vez mais, o mundo canábico

Foi um caminho sem volta. Eu entendi que este era o meu caminho.

À medida que eu conhecia mais o mundo canábico, eu via que esta era minha luta, a luta pela acessibilidade. 

Me lembro do primeiro dia em que coloquei meu nome na Abrace, quinze minutos depois eu recebi uma ligação de uma filha de uma paciente com Alzheimer, que morava em Curitiba. Isso demonstrou que havia muita gente precisando. Se eu coloquei meu nome no site e quinze minutos depois alguém me procurou, é porque tem muita gente precisando. 

Comecei a atender adultos e crianças, como clínica geral, quando eu vi eu não fazia mais plantões e passei a me dedicar somente às consultas e dedicar minha vida para isso. Abri o Instituto Coração Valente, na sequência conheci a Clínica Gravital, insisti muito, até o Joaquim me deixar fazer parte da equipe para conhecer ainda mais. Comecei a fazer minha certificação em medicina endocanabinoide pela Green Flower, fazer parte de eventos e compreendendo cada vez mais este universo da cannabis.

Mas, mais do que isso, eu pude ver nos olhos dos meus pacientes, os benefícios que a terapia canabinoide fornecia. Vi, que esta era minha missão, quebrar as fronteiras que afastam tanta gente dos benefícios que a cannabis pode proporcionar. Não, não estou falando de nenhum bálsamo milagroso. Mas, sim, de ciência.

Poder ver crianças tendo melhoras em seus quadros, pessoas que não dormiam, tendo uma melhor qualidade de vida, filhos que estavam desesperados com os quadros de seus pais, poderem proporcionar um dia a dia mais reconfortante, é algo que me faz agradecer todos os dias ter decidido ser médica.

Agradeço, também, a todos que abriram as portas deste universo para mim. A Dra. Paula Dall’Stella, Dra. Ana Hounie, Dr. Eduardo Perrin, Dr. Wilson Lessa, Dra. Janaína Barbosa, a primeira médica a compartilhar um material sobre terapia canabinoide comigo, Dr. Gilberto. Agradeço a estes, e a tantos outros médicos precursores que não tiveram medo, enfrentaram as fronteiras estabelecidas e me ajudaram, assim como ajudaram a tantos outros, a poder ter coragem e enfrentar as barreiras estabelecidas.

Trabalhar com terapia canabinoide é, sim, um ato de resistência. Hoje eu vejo que o maior preconceito vem, justamente, da classe médica. De certa forma eu até chego a entender, porque como eles não tiveram nenhum contato com a cannabis na universidade, assim como eu não tive, eles não sabem o benefício que ela proporciona. E, quando você não entende, você tem medo. 

Se conseguíssemos colocar a medicina canabinoide nas universidades, a gente poderia melhorar isso. Ao explicar o Sistema Endocanabinoide, a gente consegue convencer. Convencer não é a palavra adequada, porque a cannabis não precisa convencer, é ciência. E a ciência não precisa de convencimento, ela precisa de estudo. Uma vez que pudéssemos ter mais acessibilidade a estes conteúdos, poderíamos ter mais pessoas prescrevendo.

Esta resistência dói na alma saber que ela existe. Mas, paradoxalmente, ela é importante. Pois, se ninguém questionar, nada muda. E, apesar de todas as barreiras impostas, apesar das resoluções que não fazem nenhum sentido, a gente continua a caminhar. Nestes momentos conhecemos nossa força, e a força de estarmos unidos. O caos vai trazer paz no futuro, apesar de toda a situação em que vivemos, das barreiras, dos preconceitos e dos 

É bom que toda esta situação aconteça, que a gente consegue conhecer nossa força quando unidos. Toda esta situação é muito chata, mas a gente vai superar e vamos evoluir. Vamos continuar resistindo e quebrando barreiras para fazer um mundo sem fronteiras com o conhecimento.

E tenho comigo um lema: ‘Sem caos não há revolução’. Avante, esta é uma aspiração coletiva. Seguimos em frente.