Muito tem se falado sobre a face perversa e mórbida da guerra às drogas, que mata e encarcera aos borbotões todos os dias. Dos discursos mais humanitários aos mais punitivistas, o foco principal do debate tem se voltado sobretudo para o indivíduo, a periculosidade da sua conduta e a eventual punição para os atos praticados por consumidores e fornecedores de entorpecentes. De modo geral o assunto é analisado como caso de polícia, e raras vezes como fator da economia. Vejamos então porque, no caso das substâncias psicoativas, o preconceito é muito mais nocivo ao mercado que a liberalidade.
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Do ponto de vista econômico, o objetivo da proibição é reduzir a produção, o comércio e o consumo de determinado produto, com o intuito de provocar sua extinção com o tempo. É uma forma violenta de intervenção estatal que, com a adoção de penalidades como multa, confisco e prisão, visa desencorajar a atividade de mercado. Trata-se, portanto, de uma política de redução de oferta, tornando-se difícil e arriscado para os produtores fornecer o produto ao cliente.
Com efeito, a implementação da proibição exige o investimento de altos recursos para montar o aparato repressivo, bem como a alocação de servidores públicos e o consequente inchaço da máquina estatal. O nível de aplicação de dinheiro para essa função vai determinar o risco dos participantes do mercado proibido e, dessa maneira, a eficácia da proibição. Em suma, o Estado tem que gastar muita grana para reprimir a economia das drogas.
Para se ter uma ideia, um detento no sistema prisional brasileiro custa aos cofres públicos, em média, R$ 2,5 mil por mês. Dos 773 mil presos no país, de acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de 2019, 163 mil são ingressos por tráfico de drogas, cerca de um quarto do total. Esses comerciantes de sustâncias psicotrópicas custam ao país R$ 407,5 milhões mensais. São R$ 4,89 bilhões a cada ano para deter vendedores de mercadorias e colocá-los ao lado de ladrões, assassinos e estupradores.
Como visto, cerca de 25% dos presos o são por tráfico de drogas. Considerando que esse índice pode ser deslocado do sistema prisional para as Polícias e o Judiciário, que nessa ordem desenvolvem a persecução penal até chegar às penitenciárias, pode-se dizer com firmeza que a legalização das drogas diminuiria substancialmente os custos de operação policial e judicial, que pesam a cada dia mais no bolso dos cidadãos. Sem a criminalização, cada centavo desses poderia ser gasto em saúde, educação e lazer para a população. Além disso, se os impostos são aumentados para financiar a aplicação da proibição, os cidadãos têm menos para gastar em alimento, bem pessoais, viagens, cultura etc.
Sob a ótica mercadológica, a proibição causa aumento de preço do produto, bem como fomenta a criminalidade e a corrupção política. Ademais, preços elevados por um bem proibido levam o consumidor a substituir por um produto mais barato e perigoso. A criminalização também conduz a um forte aumento na potência das drogas, de modo que sejam mais fáceis de esconder e transportar, mantendo-se sempre o máximo lucro possível.
Pode-se dizer ainda que proibição é a porta de entrada para outras drogas, sejam elas mais ou menos prejudiciais. A farta disponibilidade de produtos no mercado leva a uma escolha autônoma por parte do consumidor, que compra baseado em suas opções pessoais e exclusivas. No mercado clandestino, o comprador fica à mercê do que for oferecido, geralmente em leque limitado e sem qualquer controle de qualidade.
A maconha, por exemplo, viu seu consumo crescer rapidamente após a proibição do álcool nos EUA, em 1920. Como se percebe, a proibição não consegue eliminar o mercado, mas apenas deixá-lo sob controle do crime organizado. Assim, à medida que o preço das bebidas aumentou, atendendo à lógica de oferta e procura, o preço relativo da cannabis caiu e o consumo disparou, vindo a ser proibida por lá em 1937.
Pelo ângulo capitalista, a cannabis tem aptidões prodigiosas. O pesquisador canadense Ernest L. Abes, em seu livro Marihuana: The First Twelve Thousand Years, afirma que é sem dúvida uma das plantas mais extraordinários da natureza. Todas as suas partes têm sido utilizadas ao longo da novela humana. As raízes eram fervidas para fazer remédio. As sementes foram consumidas como alimento por pessoas e animais, além esmagadas para fazer ótimos óleos industriais. Suas fibras são consideradas acima das demais fibras por causa da resistência e durabilidade. As folhas e flores, repletas de resinas, têm sido mastigadas, fervidas em água ou fumadas como medicamento ou inebriante. Dá pra imaginar o volume de negócios e empregos possibilitados pelo uso amplo e regulamentado da erva.
Nos EUA, por exemplo, com a legalização da maconha 11 estados adotaram leis que permitem o uso recreativo, enquanto 22 outros só permitem a maconha medicinal –, ela está finalmente se tornando o negócio em expansão que seus proponentes há muito imaginavam. No ano passado, o setor de maconha legal gerou um faturamento superior a US$ 10 bilhões – e cerca de 250 mil empregos naquele país –, sendo que alguns estudos indicam que pode atingir US$ 30 bilhões nos próximos três anos. Até lojas de grife, que vendem cannabis de luxo a preços absurdos, já existem por aquelas bandas. O mercado mundial da planta, por sua vez, é estimado em mais de US$ 60 bilhões anualmente. Os fundos de investimentos, os grandes leões do capitalismo atual, já estão em cima do lucrativo negócio.
O movimento proibicionista liderado por evangélicos norte-americanos no fim do século IXX promoveu o uso do Estado para erradicar o que consideravam o pecado e a impureza do seio social. Um dos principais argumentos era que a sobriedade melhoraria a saúde dos trabalhadores e incrementaria o desempenho industrial e econômico das nações, o que não aconteceu de acordo com estudos posteriores. A consciência religiosa, muito inclinada a pressupor aquilo é impecável na lógica, esqueceu-se de que nem tudo é possível na prática.
O mais importante objetivo de uma política proibicionista é desencorajar pessoas a usar drogas. Se o Estado não consegue atingir essa meta a um custo razoável em termos de recursos públicos e manutenção das liberdades civis, a proibição deveria ser abandonada. Há incontáveis efeitos colaterais e demasiadamente poucos benefícios, entre os quais não se incluem o desencorajamento de novos usuários. Prova disso é que a demanda por narcóticos nunca cessa.
Na economia de mercado como a que vivemos, como bem disse Ludwig von Mises, não há outro meio de adquirir e preservar a riqueza a não ser fornecendo às massas o que elas querem, da maneira melhor e mais barata possível.
A afirmação do economista da Escola Austríaca leva em conta o aspecto financeiro da proibição. Personalidades de correntes políticas opostas, contudo, também se manifestam a favor da descriminalização, ainda que por motivos menos econômicos e mais sociológicos e altruístas.
Vale lembrar que quando forças políticas contrárias criam consenso sobre temas polêmicos, lançando mão de argumentos e fundamentos científicos e racionais, a chance de fracasso diminui drasticamente. Alguma melhora nos índices econômicos e sociais fatalmente decorrerá da descriminalização.
A guerra às drogas é um desastre para a sociedade. Mata gente, implode mercados legais e abre ilegais, fere a economia e priva a população. Tudo isso sem reduzir a produção, o comércio e o consumo das substâncias. Não há lucro social nessa loucura.
Leonardo Padilha é advogado canabista, jornalista e especialista em educação.
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