Na tarde desta quarta-feira, em manobra relâmpago, o Senado Federal aprovou o projeto que prevê internação involuntária de dependentes químicos e aumentou de 5 para 8 anos de reclusão a pena mínima para o traficante que chefiar organização criminosa.

Proposto pelo deputado Osmar Terra (MDB-RS), atual ministro da Cidadania, o projeto foi aprovado pela Câmara em 2013. Desde então, foram apresentadas várias sugestões para modificar o texto. No entanto, Styvenson Valentim (Pode-RN), porém, defendeu a aprovação do projeto sem modificações em relação ao texto aprovado pela Câmara.

“Mesmo reconhecendo que algumas alterações são meritórias, o ganho para a sociedade que elas proporcionariam é comparativamente pequeno, frente ao tempo adicional que teríamos de aguardar para que a Câmara deliberasse sobre as inovações”, declarou Valentim.

Durante o debate, senadores lembraram que no próximo mês o STF deve votar a questão da descriminalização do porte de drogas e, com isso, deveriam se antecipar.

“Eu gostaria de fazer um apelo para os colegas, um apelo, para que a gente possa deliberar isso hoje, porque, no dia 5 de junho, já está marcada na pauta do STF, Supremo Tribunal Federal, a questão da liberação das drogas no Brasil. É a sequência de um julgamento que já começou. Então, [vamos votar] para que não sejamos acusados, mais uma vez, de sermos omissos, não legislarmos e darmos a oportunidade para o Supremo vir e fazer o nosso trabalho”, afirmou Eduardo Girão (PODE-CE) antes da votação.

Para tentar evitar a aplicação de pena de tráfico a usuários, a proposta cria um atenuante na lei. O projeto prevê a redução da pena quando o acusado não for reincidente e não integrar organização criminosa, ou se as circunstâncias do fato e a quantidade de droga apreendida demonstrarem o menor potencial lesivo da conduta. Nesse caso, a pena deverá ser reduzida de um sexto a dois terços. A norma, contudo, continua sem estabelecer critérios objetivos. Segundo o relator, caberá ao juiz avaliar caso ao caso.

Internação compulsória

O projeto modifica a Lei de Drogas (Lei 11.343, de 2006) e outras 12 leis. O texto determina que o tratamento do usuário ou dependente de drogas ocorra prioritariamente em ambulatórios, admitindo-se a internação quando autorizada por médico em unidades de saúde ou hospitais gerais com equipes multidisciplinares.

A internação poderá ser voluntária (com consentimento do dependente de drogas) ou não. A involuntária, também chamada de compulsória, dependerá de pedido de familiar ou responsável legal ou, na falta destes, de servidor público da área de saúde, de assistência social ou de órgãos públicos integrantes do Sisnad e será formalizada por decisão médica.

Essa internação involuntária dependerá de avaliação sobre o tipo de droga, o seu padrão de uso e a comprovação da impossibilidade de uso de outras alternativas terapêuticas. O dependente químico poderá ficar internado involuntariamente por até 90 dias para desintoxicação. O familiar ou representante legal pode pedir ao médico a interrupção do tratamento a qualquer momento.

Todas as internações e altas deverão ser informadas ao Ministério Público, à Defensoria Pública e a outros órgãos de fiscalização do Sisnad em 72 horas. O sigilo dos dados será garantido.

Ao criticar a atual redação da proposta, Humberto Costa afirmou que, diferentemente do previsto na Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/ 2001), o texto que veio da Câmara  não atribui à família ou ao responsável legal o poder de determinar o fim da internação involuntária.

Comunidades de acolhimento

Outra forma de atendimento ao usuário ou dependente prevista no projeto é o acolhimento em comunidades terapêuticas, que passam a ser incorporadas ao Sisnad. São definidas no projeto como pessoas jurídicas, sem fins lucrativos, que realizam o acolhimento do usuário ou dependente de drogas. As comunidades terapêuticas acolhedoras devem oferecer ambiente residencial propício à promoção do desenvolvimento pessoal e não poderão isolar fisicamente a pessoa.

A adesão e permanência são voluntárias. Usuários que possuam comprometimentos de saúde ou psicológicos de natureza grave não poderão ficar nessas comunidades. O ingresso nelas dependerá sempre de avaliação médica, a ser realizada com prioridade na rede de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Atualmente, existem mais de 1,8 mil comunidades terapêuticas espalhadas pelo país. Esses estabelecimentos filantrópicos fazem o acolhimento do usuário ou dependente químico, mas não se caracterizam como unidades de saúde, conforme destacou Styvenson.

No substitutivo apresentado, Rogério Carvalho (PT-SE) e Humberto Costa (PT-PE) impunham uma série de exigências a essas comunidades, como a existência de equipe multiprofissional e respeito à  liberdade de crença e o exercício de manifestações religiosas. A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que apoiou o relatório de Styvenson, disse conhecer a realidade dessas comunidades, que classificou como “muito sérios”.

— O que aprovamos aqui é reconhecer a importância dessas comunidades e dar a elas condição financeira para sua manutenção. As comunidades terapêuticas vivem hoje de doação. Esse discurso de que é para desviar recursos públicos é de quem não tem conhecimento do trabalho sério dessas comunidades — disse Eliziane.

Reinserção social e ações fiscais

Um conjunto de ações fiscais e sociais também foi pensando para dar suporte a essa revisão da política nacional de drogas. O projeto permite a dedução do Imposto de Renda da pessoa física ou jurídica, de até 30% de quantias doadas a projetos de atenção ao usuário de drogas previamente aprovados pelo Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas. Esses recursos, podem, por exemplo, ajudar a financiar ações e atividades das comunidades terapêuticas acolhedoras.

Outra forma de incentivo fiscal é a doação aos fundos federal, estaduais e municipais, cujo valor poderá ser deduzido do imposto de renda devido no limite de 1% (empresas tributadas pelo lucro real) e 6% (pessoa física). Essas doações poderão ser em bens ou em espécie.

Na esfera social, foram previstas ações como reserva de 3% das vagas em licitações de obras públicas com mais de 30 postos de trabalho para pessoas atendidas por políticas sobre drogas, e oferta de vagas aos usuários do Sisnad nos cursos de formação profissional oferecidos pelo Sistema S.

Maconha

Entre os pontos aprovados em outras comissões, mas que foram descartados pelo relator, está a possibilidade de importação de derivados e produtos à base de cannabis para uso terapêutico e a criação de um limite mínimo de porte de drogas para diferenciar usuário comum de traficante.

“Propõe-se também incluir no PLC, dispositivos garantindo o direito de importar medicamentos à base de canabidiol (CBD), mas trata-se de iniciativa que não guarda relação direta com o objeto do projeto. Ademais, é assunto que já está sendo devidamente resolvido por regulamentação infralegal emanada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)”, argumenta Styvenson no relatório.

Semana Nacional de Drogas

Também foi instituída a Semana Nacional de Políticas Sobre Drogas, voltada para as atividades de prevenção, de atenção à saúde e a divulgação de ações que visem estimular o diálogo e a inserção social de pessoas que fazem uso de drogas. A ideia é que eventos com esse objetivo aconteçam anualmente na quarta semana do mês de junho.

Informação e avaliação

O projeto estabelece que caberá à União criar e manter um sistema de informação, avaliação e gestão das políticas sobre drogas. O governo federal terá também de elaborar metas, prioridades e indicadores e adotar medidas para fortalecer a política nas fronteiras.

Já os estados, terão de estabelecer e manter programas de acolhimento, tratamento e reinserção social e econômica. A elaboração de programas de prevenção caberá aos municípios.

Estados, Distrito Federal e municípios deverão elaborar seus respectivos planos de políticas sobre drogas.

Na sequência, o PLC 37/2013 será votado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e pelo Plenário do Senado. Se o texto aprovado pela Câmara também for mantido nessas duas instâncias de votação, será enviado, em seguida, à sanção presidencial.

Fonte: Agência Senado