Certamente você já deve ter visto alguma foto circulando na internet dessas freiras rodeadas de cannabis e uma pergunta deve ter surgido em sua mente: Freiras cultivando maconha?

No meio do Vale da Califórnia, mais precisamente na cidade de Merced, surgiu há pouco mais de 7 anos as Sisters of the Valley, as Irmãs do Vale. Um grupo composto em sua maioria por mulheres, lideradas pela Sister Kate, que usam hábitos, cumprem um conjunto de votos e plantam e vendem produtos à base de cannabis rica em CBD.

Engana-se quem pensa que as freiras são ligadas à Igreja Católica ou a qualquer outra religião. A ideia surgiu de uma piada de Kate, quando fazia parte de um movimento social e viu o governo dos Estados Unidos declarar que pizza poderia ser tido como um vegetal e, assim, adaptado a dieta de crianças nas escolas públicas dos Estados Unidos.

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“Nós nascemos no Movimento Occupy. Em 2011 Michelle Obama tentou falar sobre a alimentação de crianças no Congresso, mas foi impedida. E, uma semana depois, o Congresso aprovou o molho de pizza como vegetal para ser incluído na alimentação das crianças nas escolas. Foi quando eu falei, ‘bom, se pizza é um vegetal, eu sou uma freira’”, conta Sister Kate ao Weederia.

Sister Kate: uma vida de luta

De fato, Sister Kate, apesar de católica, nunca foi freira. Antes de fundar a Sisters of the Valley, teve uma carreira bem-sucedida trabalhando com grandes empresas. Mas, em casa, acabou sendo assaltada pelo próprio marido e sentiu na pele o descaso da lei com as mulheres.

“Eu sou uma mulher que se conscientizou de quão sistematicamente racista e misógina é a nossa sociedade, os Estados Unidos. Eu tive uma carreira muito bem sucedida, trabalhei com grandes empresas, e conforme eu fazia dinheiro, meu marido roubava e escondia. Tudo o que ele fez foi protegido pela lei e pelo patriarcado, é legal roubar da sua própria esposa”, conta a irmã.

Toda esta experiência traumática fez com que Kate virasse moradora em situação de rua e seu mundo se transformasse.

“Tudo isso me mudou o que eu era, obviamente. Me tornou uma pessoa determinada a criar um diferente estilo de vida, e foi assim que eu fundei as Sisters of the Valley. Devido a decepção com a sociedade americana”.

Christine Meeusen é o nome de batismo de Sister Kate. Nascida numa família católica e com problemas de abuso de álcool, Kate conheceu a maconha quando tinha 18 anos e ainda estava no colégio. 

“Estávamos em seis cheerleaders num carro, dividindo um baseado do México. E não bateu. Então eu continuei a beber muito, porque eu estava numa cultura de bebida. E então, em algum momento eu provei novamente e percebi que era muito melhor do que beber.”

Sister Kate é a fundadora das Sisters of the Valley
Sister Kate é a fundadora das Sisters of the Valley

‘Se pizza é um vegetal, eu sou uma freira’

Desenganada com a sociedade, Kate se mudou para o Vale Central da Califórnia e, em 2009, começou um coletivo cannabis sem fins lucrativos onde fornecia maconha para fins medicinais a pacientes em estado terminal. No coletivo, morava com mais seis pessoas de idade entre 14 e 24 anos, no qual plantavam também alimentos para consumo próprio.

“Eu era como uma freira, a gente era escravo, era pobre e somente trabalhava para colocar comida na mesa. Fazia um pouco de dinheiro com a maconha”.

À época, Kate fazia parte movimento Occupy –movimento internacional que fez oposição à desigualdade social e econômica. Foi quando surgiu a sugestão de que ela deveria participar dos protestos vestida de freira. 

“Quando eu disse ‘que se pizza é um vegetal, eu sou uma freira’, os garotos falaram que eu deveria ir vestida como uma freira nos protestos. Então, eu fui porque eu tinha um traje de freira em casa e o movimento passou a me chamar de Sister Ocupy”.

A ideia chamou atenção de todos e passou a criar discussões sobre como seria uma nova ordem de freiras, qual seria o seu papel na sociedade e como elas deveriam agir. Até que, em agosto de 2013, participou de um encontro de tribos nativas americanas e conversou com mulheres mais velhas e que possuíam conhecimentos sobre plantas. Desta conversa ela saiu decidida a fundar a sua própria irmandade.

“Após 4 anos de discussões por toda a Califórnia, com mulheres de todos os lugares, nós decidimos que esta ‘Religião New Age’ teria de parecer como nos primórdios dos castelos da Europa, que eram donos da propriedade, eram espirituais, viviam juntos, trabalhavam juntos, comiam juntos, mas não se filiavam a nenhuma religião. Foi assim que nascemos”.

A ordem a que Sister Kate se refere, remonta à Idade Média, onde grupos exclusivamente femininos viviam sem ingressar oficialmente em alguma religião e se dedicavam, dentre outras coisas, a cuidar de doentes e viver como Cristo.

Decidida a ter sua própria comunidade, Sister Kate criou a página Weed Nuns no Facebook, que em pouco tempo acumulou mais de 5 mil seguidores. E, daí, rapidamente Kate fundou as raízes das Sisters of The Valley.

Sisters of the Valley: Problemas desde o primeiro ano

Estabelecida na cidade de Merced, na Califórnia, Sister Kate procurou os órgãos competentes para obter uma permissão para poder montar o seu negócio canábico, onde iria plantar cannabis rica em CBD e produzir óleos e pomadas. Desde então, já são sete anos de espera por esta permissão.

“Nós estamos fechando o nosso sétimo ano ainda sem permissão. Nós aplicamos para ter permissão no primeiro ano, mas eles pegaram e colocaram numa gaveta. Três anos depois, eles queriam nos fechar porque não tínhamos uma permissão. Então eu mostrei que tinha dado entrada na papelada e o governo não fez nada”, conta a irmã.

Destemida, Kate diz que são raros os momentos em que as Sisters não enfrentam problemas devido à cannabis. Elas já perderam a conta no banco, foram expulsas de plataformas de comércio eletrônico e já foram roubadas duas vezes. 

“Os problemas nunca vão embora. Todo mundo que entrou cedo neste negócio tem de entender. É uma estrada dura, se não fosse tão difícil, nós poderíamos fazer coisas que amamos, como o ativismo. Mas, estamos no modo sobrevivência o tempo todo.

Para sobreviver, as irmãs produzem produtos ricos em CBD, como óleos, pomadas e cápsulas. E, todo este trabalho é organizado de acordo com os ciclos lunares. Um modo de, não apenas planificar todo o trabalho mas, também, colocá-las em contato com a natureza.

“Ao organizar toda a vida com os ciclos da Lua, nos colocamos em contato com nossa ancestralidade, com nossas mães ancestrais. Que é quem nós pedimos para estar juntas, para nos colocar no bom caminho”.

As Sisters produzem a própria maconha que utilizam para a produção dos produtos que vendem. Por mês são enviados cerca de 10 novos produtos para que laboratórios testem. Mas, no começo, Kate conta que não sabia ao certo todos os poderes que o CBD possuia.

“Quando eu comecei, 7 anos atrás, eu realmente não sabia (de todos os benefícios do CBD). Mas, a ciência vem surpreendendo. Nós começamos com três produtos e falamos: ‘vamos ver o que dá’ e sempre alertamos para que a pessoa continuasse a consultar um médico. Então, nossos consumidores começaram a nos dizer que o óleo, que era recomendado para alívio da dor, também funcionava para o sono, para a dor de cabeça. Quando as pessoas falavam que estavam usando nossos produtos para substituir remédios para o sono, foi um pouco chocante pra gente há 7 anos”, confidencia Kate.

Nestes 7 anos de existência das irmãs, muita coisa realmente mudou. A maconha passou a ser legal em mais estados dos Estados Unidos, a ciência passou a pesquisar mais os efeitos da cannabis no corpo humano e a sociedade – ao menos a americana – a encarar a maconha de outra forma. E isso fez com que elas ganhassem novos ares.

Da pequena cidade de Merced, as irmãs conquistaram o mundo. Apesar da pandemia causada pela Covid-19, que fez com que o número de pessoas na comunidade caísse de 28 para 20, as Sisters já estão no México, na Europa – Inglaterra, Suíça, Bélgica, Dinamarca e Suécia e, até mesmo, na Nova Zelândia.

A pandemia, inclusive, fez com que as Sisters perdessem boa parte de sua receita, uma vez que parte de suas vendas eram para outros países e a situação gerada pelo Covid-19 fez com que boa parte dos países fechassem as suas fronteiras.

Por isso, elas criaram um modo de se aproximarem de seus admiradores ao redor do mundo e, de quebra, apresentar as ideias que as Sisters cultivam.

“Durante o Covid nós tivemos tempo, como muita gente, então formulamos um sistema de como se tornar uma irmã ou um irmão. Temos uma plataforma na patreon, a SISTEROFTHEVALLEY, eu digo para as pessoas que custa 5 dólares para você preencher um questionário, no qual vamos te conhecer, e com este 5 dólares você pode fazer o download de um livro, chamado de Book of New Begin, onde estão nossas práticas, nossas orações e leituras. É como nosso aperto de mão, você nos conta sobre você e nós contamos sobre nós”.

Além do livro, você também pode fazer parte da comunidade e receber mensalmente um material exclusivo publicado por elas, como as cerimônias da lua  e vídeos de bastidores. Além do CBD, as Sisters também estão vendendo café especial, feito com cogumelos.

Uma mensagem para a sociedade

“Eu estou sempre chamando as mulheres para crescer. Se elas precisam de sementes, elas somente precisam nos escrever. Não precisam pagar nada. Nossas sementes são ricas em CBD, eu acho que as mulheres precisam abraçar a indústria do cânhamo. Podemos fazer tudo de cânhamo, tem muito potencial nesta indústria. Vamos superar esses 2 mil anos de dominação masculina e vamos começar estes novos 2 mil anos com uma energia feminina. Porque é um período de harmonia e aprendizado de cuidado com o outro no planeta”, convoca Sister Kate.