Dos 66 estados soberanos classificados como ‘muito altos’ na edição de 2020 do Índice de Desenvolvimento Humano (referindo-se a 2019), 12 aplicam a pena de morte: Cingapura, Estados Unidos, Japão, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Bahrein, Omã, Bielo-Rússia, Kuwait, Catar, Malásia e Taiwan.

Apesar de, no Brasil, não existir pena de morte como acontece nos países de fora do eixo ocidental, esta não é a afirmativa coerente para os familiares de vítimas, ativistas antiproibicionistas, juristas, organizações não governamentais nacionais e internacionais, que muito pelo contrário, afirmam que, na prática, pessoas são assassinadas todos os dias pelo Estado brasileiro por conta do combate ao tráfico de drogas.

Não existe um movimento significativo de defesa da formalização da pena capital para a venda de drogas, porém, o Brasil vem adotando discursos com forte viés ideológico e conservador em que a defesa pela abstinência como a principal ferramenta para lidar com os consumidores de drogas é privilegiada e, inclusive, o uso da cannabis para fins terapêuticos é contestado, ao contrário do que ocorre em Israel.

O que fica mais nítido ao relembrarmos a aprovação da Lei que ficou conhecida como “a nova política de drogas do Bolsonaro”, a Lei n. 13.840, de 2020, que, entre outros pontos, busca fortalecer a internação de consumidores de drogas em unidades de Saúde, hospitais gerais e Comunidades Terapêuticas. Algo que foi muito criticado por ativistas antiproibicionistas e defensores da Reforma Psiquiátrica.

 Para entendermos a razão de essas pautas serem aliadas, precisamos nos lembrarmos que antes da Reforma, consumidores de drogas também eram encaminhados para manicômio, assim como, mulheres que rompiam com o estereótipo idealizado em torno do feminino e pessoas, em geral, que desviavam de qualquer outro padrão imposto socialmente. Também é importante destacar que o movimento pela Reforma Psiquiátrica começou em resposta às graves violações de direitos humanos cometidos nesses espaços, como a falta de cuidados básicos como acesso à alimentação adequada, ambientes limpos e confortáveis para descanso e a aplicação de violências físicas como estupros e castigos corporais aos pacientes eram cometidos.

Além disso, em dezembro de 2020, a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, publicou a cartilha “Os riscos do uso da maconha na família, na infância e na juventude”, que busca reforçar que a cannabis é uma planta perigosa para consumo e que os fins médicos são uma “fachada”, já que “possuem poucas evidências científicas” e que, por isso, “não existe maconha medicinal”. Entre os danos da cannabis apontados no conteúdo de 31 páginas, apontam a relação entre o consumo da erva e os acidentes de trânsito, porém, não apresenta dados que a embasam.

Durante o evento on-line de divulgação da cartilha, duas secretárias da Ministra, que jornais destacaram não possuir formação médica, disseram: É paradoxal lutarmos pela vida e se desejar ao mesmo tempo legalizar o plantio de algo que pode levar ao suicídio, anular a liberdade humana. É o caminho para a escravidão. É o direito anti-humano. O pseudo uso terapêutico é um subterfúgio para iludir as famílias (Angela Gandra, secretária Nacional da Família). O repetido uso medicinal é um mantra. É a armadilha linguística para impor algo danoso. Não há uso medicinal da maconha. É uma falácia da mídia. Não é inofensiva, é lesiva (Emily Coelho, secretária Nacional da Juventude).

 A iniciativa da “Cartilha da Maconha” da Ministra Damares Alves e a atuação de outras figuras conservadoras do cenário político, como a deputada federal Bia Kicis e o ex-Ministro e atual deputado federal Osmar Terra, buscam fazer um embate contrário à aprovação do Projeto de Lei n. 399, de 2015, que como já informado, busca regulamentar o cultivo associativo e industrial da cannabis no Brasil. Como pudemos observar ao longo da nossa apostila, campanhas de desinformação como essa promovida pela Ministra Damares Alves e outros grupos conservadores, com apoio da máquina pública, nos distanciam de outros países do mundo que vêm obtendo bons resultados ao lidar com o “problema das drogas” por meio de soluções que privilegiam a ótica da saúde e não da segurança pública.

Dra. Marina Gentil explica

Marina Gentil é advogada – OAB/SC 48.373 -, pós graduanda em Cannabis Medicinal e Diretora jurídica da Green Couple Assessoria.

Contato: Instagram: @greencoupleassessoria