É fato notório que a nossa legislação, apesar de punir de forma diferente o usuário de drogas e o traficante (arts. 28 e 33 da Lei 11.343/2006), não definiu critérios objetivos para que fosse realizada a sua diferenciação. A confusão diária que acontece durante as apreensões no Brasil deixa isto muito claro.

Nota-se ainda que o artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, o qual define a conduta de tráfico de drogas, é extremamente genérico, prevendo todas as condutas imagináveis que possam envolver drogas.
Tive a oportunidade de trazer o tema do consumo em colunas passadas, e reforço que apesar disso, a lei prevê alguns critérios para a diferenciação. No § 2º do artigo 28 da referida lei é previsto que:

Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

Diante dos critérios vagos estabelecidos pela legislação, a jurisprudência passou a adotar uma espécie de sistema de avaliação próprio para aproximar as decisões da realidade de cada indivíduo. Listo agora, alguns dos critérios mais utilizados (mas não os únicos) para a identificação da conduta.

1. A quantidade de droga apreendida

A quantidade de droga apreendida é um dos principais fatores dessa lista. A alegação de que o réu é usuário se torna bem mais frágil se a quantidade de droga apreendida estiver muito acima do esperado para um usuário. Mesmo que a legislação não estabeleça a quantidade para diferenciar o consumo do tráfico, há de se pensar que uma quantidade pequena reforça a tese de uso.

2. A variedade das drogas apreendidas

Neste sentido, a variedade das drogas apreendidas também é um fator crucial para realizar a diferenciação. Vamos supor que uma pessoa alegou ser usuário de drogas, mas é flagrado portando mais de um tipo de droga (por ex. maconha, crack e cocaína), a tese se torna muito mais frágil. A variedade leva o julgador a adotar o entendimento de que o traficante porta mais de um tipo de droga para atender a sua clientela, enquanto que o usuário porta apenas a droga que consome.

3. Balança de precisão

Tá aí a campeã de prova para condenação. A balança de precisão é utilizada para pesar a droga e entregar a porção na quantidade exata para o usuário. Entende-se que, teoricamente, não teria qualquer sentido um usuário possuir uma balança de precisão e que este objeto é usado exclusivamente para o tráfico. Sim, é arcaica a ideia.

Isto porque, é notório que as balanças de precisão estão cada vez mais presentes nos lares brasileiro. Uma balança de precisão custa em torno de R$ 50,00 e é utilizada frequentemente para fins culinários (principalmente por pessoas que buscam manter uma dieta rígida).

4. Embalagem da droga

Outro ponto observado é a forma como a droga está embalada, apesar de não parecer isso também tem um grande peso probatório para os julgadores. Caso a droga esteja fracionada em pequenas quantidades e em embalagem plástica, o entendimento adotado é de que a droga foi preparada para comercialização, de forma que sejam vendidas pequenas frações para cada usuário.

5. Dinheiro

Outro ponto de bastante relevância, os tribunais entendem que grande quantia de dinheiro, principalmente quando fracionada em notas pequenas, demonstra traficância. O peso probatório aumenta quando o acusado não consegue comprovar qualquer ocupação lícita que possa justificar a quantia.

6. Armas ou simulacros

Quando apreendidas juntamente com drogas, armas ou simulacros (armas de brinquedo) podem demonstrar que o acusado utiliza esses instrumentos para viabilizar a traficância por meio de ameaça e violência.

7. Celulares apreendidos

As conversas via SMS, aplicativos de mensagens e redes sociais também são analisadas (com prévia autorização judicial) para demonstrar mensagens relacionadas ao tráfico.

8. Agendas/listas

Apesar da grande revolução tecnológica, algumas pessoas preferem anotar as coisas no papel. No tráfico, isso também acontece. Por isso, em algumas apreensões, são encontradas agendas ou listas com anotações de nomes de clientes, números de telefone, valores, etc.

Conclusão: traficante ou usuário de drogas?

Través desta pequena lista, há como demonstrar que a diferenciação de usuário para traficante é uma tarefa árdua, a qual exige uma análise de todas as peculiaridades de cada caso concreto. Como dito anteriormente, os critérios apresentados são apenas os mais comuns, existindo uma infinidade de circunstâncias e interpretações que podem ser levadas em conta.