O brilhante José Saramago, dono de um invejável estilo de texto, certa feita disse que “às vezes, as palavras fazem com que nos detenhamos nelas”. A dedicação a certos termos a que o escritor português se refere pode ocorrer por diversos motivos: precisão vocabular, fidelidade semântica ou mera admiração, como também pela origem do verbete. Esta última hipótese, quando aprofundada, costuma gerar ótimas histórias. Por isso, vale um rápido regresso ao passado para encontrar a gênese nominal do que hoje conhecemos no Brasil como maconha.

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De antemão, importante aclarar que o nascimento das palavras é o objeto de estudo da ciência chamada etimologia. O processo etimológico leva em conta questões geográficas e temporais, além de variações linguísticas regionais. Todos esses fatores são considerados para se compreender o fenômeno de mutação da fala e escrita ao longo dos tempos.

No início da novela humana não havia maconha, o nome pelo menos. Naturalmente existia a planta que, até chegar ao Brasil, passou por muitos lugares e ganhou denominação variada.

A erva é originária da Índia, grosso modo, onde é chamada de banghou bangi. De lá, teria sido levada para a costa leste da África por comerciantes árabes, que passaram a consumir e chamar o fumo de haschisch. Por meio de rotas mercantis a maconha se disseminou no interior do continente. À medida que o consumo se difundia entre povos africanos, os nomes da planta também se multiplicavam.

Os thonga, por exemplo, chamavam-na mbange, os shona falavam mbanji. Os swahili, habitantes da região nos Grandes Lagos Africanos, preferiam bhangi. Todos, como se lê e se ouve, derivados do nome indiano original já mencionado. Há também registros de daXab, usado pelos hotentotes, lebake para os sotho, além de wangula, forma empregada pelos lamba.

Na África também surgiram algumas nomenclaturas que viriam a ser adotadas posteriormente no Brasil, onde nos primórdios a maconha era consumida por escravos e depois por negros libertos ou livres. São termos como riamba, liamba e diamba, originados no léxico do povo kimbundo. A mesma comunidade também criou vocábulos como kangonha, usado para se referir à própria planta, e makanha, que tinha um sentido mais amplo e indicava práticas relacionadas ao hábito de fumar. Até o leitor mais distraído perceberá que os kimbundos tiveram forte influência sobre o nome mais popular da erva no Brasil atual: maconha.

Da Índia a cannabis ganhou não apenas o continente africano, mas o mundo. Em cada país a erva angariou admiradores, fez mercado e recebeu um lugar cativo no dicionário. Na África do Sul, é chamada de dagga. Os norte-africanos batizaram de kif. Na Jamaica, é a internacionalmente famosa ganja. O termo espanhol é mota, em francês chanvre, e hanf em alemão. Na Itália recebeu nome de mulher, maria, e os chineses foram ainda mais sucintos, incorporando o monossilábico ma. No Japão o sol nasce com a planta sendo chamada de taima.

No outro lado do globo, os havaianos apelidaram a maconha de pakalolo. No restante dos EUA há diversas formas, talvez as mais conhecidas sejam hemp, weed e marijuana. E assim se sucede nos quatro cantos do planeta, fora as inúmeras variações locais.

As principais teorias e evidências, principalmente linguísticas, sugerem (mas não comprovam) que da África a maconha chegou às terras tupiniquins trazida por escravos. Na literatura brasileira, além de diamba, liamba e riamba, há usos confirmados da expressão fumo de Angola e outros nomes não necessariamente de origem africana, e exemplo de: dirijo, tauari, pito do pango, maruamba, marigonga, chá, atchi, birra, fumo brabo, fumo de caboclo e macumba. Essas denominações podem ter sido usadas no país desde a época do Brasil colônia, sendo provavelmente a terminologia mais antiga praticada por aqui.

Com efeito, o nome mais difundido da maconha, o científico Cannabis Sativa, só seria cunhado em 1753 pelo botânico sueco Carl Lineu. Hoje é possível se fazer entender em qualquer lugar da terra referindo-se a cannabis ou canabis, como bem aportuguesam alguns autores.

O povo brasileiro, criativo que si só, sempre se esmerou para incrementar nosso dicionário canábico. De Cabrobó à fronteira com o Paraguai, tem de tudo no glossário nacional da maconha.

Bagulho, beck, erva, lombra, banza, maronha, bang, breu, chá, green, caroçuda, marola, preto, skunk, brenfa, beize, gari, tronquita, sardola, braba, torro, coconha, pantera, badeco, canna, santa maria, pito, pitinho, nota, brau, chebaba, tchaz, chicória, mouzão, pepe, alice, taba, bazu, tremzim, café, tiose, kaya.

Com tão vasto vocabulário, os artistas nacionais se esbaldam e esbanjam talento na abordagem da planta. Bezerra da Silva avisou que o baseado pra fazer a cabeça tem hora. O feijão dos Mamonas acabou e só tinha maconha, que também foi a cilibrina do loki Arnaldo Baptista, o cachimbo da paz do pensador Gabriel. O grande Tim Maia na verdade não queria confusão, mas apenas sossego e um quilo do bom. Uma boa quantidade das mesmas ervas que aliviam e temperam a vida da turma dO Rappa.

A maconha como musa inspiradora, contudo, data ainda de épocas remotas e contextos artísticos diferentes. Uma trova, documentada no Amazonas na década de 1960 e provavelmente composta bem antes, viria a ser reproduzida e adaptada em uma música do grupo Planet Hemp, banda carioca dos anos 90 que lançou no mainstream do cenário musical brasileiro o debate contra o proibicionismo irracional da erva.

A reprodução da composição original dá pistas do uso terapêutico e secular da cannabis, aqui sob a alcunha de dirijo.

Dirijo é coisa incelente

Remédio de dor de dente

Assim como Deus não mente

Dirijo não mata a gente.

Incelente ou excelente, maconha é coisa que faz parte da vida dos povos, das necessidades dos indivíduos, do imaginário coletivo.

Assim também é a linguagem, talvez o bem mais preciso e perigoso que foi dado ao homem. Pode ser usada para difamar, como no caso de erva maldita, ou consagrar, a exemplo de cannabis medicinal.

Temerária e encantadora, a linguagem precisa ser estudada e compreendida. Dessa forma ela pode modificar a realidade a nossa volta, além de nos tornar autônomos demais.

Leonardo Padilha é advogado canabista, jornalista e especialista em educação.
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