Gosto de trazer para as colunas do Weederia, um pouco do que vivo em meu consultório. As dúvidas que ouço das mães, dos pacientes e os desafios que encontro no dia a dia da terapia canabinoide. Desta vez, trago um assunto que vivi por 9 meses e ainda vivo: cannabis, gestação, amamentação e maternidade.

Há pouco menos de um mês dei a luz ao Rapha e o fato de estar grávida, suscitou uma série de dúvidas por parte de mulheres, pacientes minhas ou não, que me procuraram para saber sobre a relação entre gestação e cannabis.

Foram meses nos quais eu recebi muitas perguntas como: há perigo para o bebê? Posso continuar fazendo meu tratamento com cannabis? Posso iniciar um tratamento com cannabis? O que eu faço, doutora?

A resposta, nem sempre foi a mesma. Durante este período procurei me aprofundar ainda mais no assunto. Afinal, estava vivendo a situação. Fui em busca de estudos, conversei com outros médicos, pesquisei na literatura e, infelizmente, notei algo que já imagina: temos pouquíssimos estudos sobre o assunto.

Uma das perguntas mais frequentes era se a exposição pré-natal à cannabis e o uso de cannabis durante a gravidez poderia prejudicar o desenvolvimento das crianças.

Pesquisadores da Universidade de Columbia, do Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova York e da Universidade de Swinburne descobriram que a exposição pré-natal à cannabis não leva a comprometimento cognitivo em crianças, com base em dados de décadas de estudos sobre esse assunto.

Publicado há pouco mais de dois anos na revista Frontiers in Psychology, a revisão sistemática revelou que a grande maioria dos estudos sobre esse tópico não encontrou diferenças estatísticas significativas entre crianças que foram supostamente expostas à cannabis durante a gravidez e aquelas que não foram. Menos de 5% dos estudos comparáveis nesta área mostraram qualquer diferença estatística entre as pontuações das crianças em testes cognitivos; mais importante, estes incluíram pequenas quedas e melhorias nas pontuações, e todos, exceto 0,3% dos resultados do estudo, ainda caíram na faixa normal.

No entanto, esta é uma revisão sistemática, que ainda deixa muitas dúvidas sobre o tema. Há de se destacar, também, que esta é uma situação um tanto quanto complexa. Realizar pesquisas e testar o efeito de substâncias em mulheres grávidas ou lactantes é algo extremamente difícil por conta da situação. 

E, justamente esta falta de entendimento sobre o risco potencial para o bebê é a razão pela qual, muitas vezes, a utilização de medicamentos à base de cannabis durante a gravidez ou lactação é desencorajada.

Alguns pontos que temos de levar em conta, por exemplo, é a questão do THC. A pesquisa já identificou que o uso precoce pode ser prejudicial para o cérebro em desenvolvimento. Portanto, é algo que devemos levar em consideração, sempre. Uma vez que o THC atravessa a placenta, o que significa que pode passar do sangue da mãe para o corpo e cérebro do feto.

O cérebro humano contêm receptores endocanabinoides já na 14ª semana de gestação, os níveis de THC podem afetar negativamente o desenvolvimento do cérebro fetal por meio do uso repetitivo da mãe.

Já quando falamos sobre o CBD, um estudo com roedores de 2021 descobriu que a exposição ao CBD no útero teve “resultados comportamentais mistos”, mas “perturbou” o epigenoma cerebral, responsável pela maneira como os genes se expressam. A exposição ao CBD aumenta a ansiedade e melhora a memória em camundongos fêmeas, sem uma mudança significativa em camundongos machos. 

Outro tema que me perguntam bastante é quanto à lactação. Posso amamentar meu bebe? Existem algumas evidências de que a cannabis pode ajudar a aumentar o fluxo de leite, mas isso não é comprovado pelas pesquisas. Estudos mostram que os níveis de THC podem aumentar no leite materno e ser transferidos para o bebê em concentrações até oito vezes maiores do que os níveis de THC da própria mãe.

O mesmo ocorre com o CBD. Por ser lipofílico, também pode se acumular no leite materno. Isso significa que pode passar pelo leite e entrar no corpo e no cérebro do bebê. 

Em parceria com o Reaja, uma empresa que realiza testes colorimétricos, estamos desenvolvendo um teste para identificar no leite materno se há concentração de canabinoides nele. Desta forma, a mãe teria uma maior segurança para poder entender se há contaminação em seu leite ou não.

Mas, ainda é muito pouco para termos segurança na sua utilização durante o período de gravidez e amamentação. Agora que a utilização medicinal da cannabis está se tornando cada vez mais comum, é importante informar sobre seus efeitos colaterais e que possamos ter mais estudos sobre a planta completamente.

Mas, doutora, já faço uso de medicamentos à base de cannabis e, se eu parar, minha condição de vida irá piorar muito. Esta foi uma pergunta frequente, também. Nestes casos, os médicos devem avaliar cada situação individualmente. Por isso, é extremamente necessária uma conversa franca e direta com o seu médico. 

Assim, ficará mais fácil analisar os riscos e possíveis efeitos e, até mesmo, ajustar a dose. Por enquanto, de forma geral, infelizmente sofremos muita pela falta de pesquisas. Por isso, muita cautela neste momento.

Ser uma mãe entusiasta da cannabis, que vive neste universo diariamente, me une à outras mães que lutam diariamente para que seus filhos e, elas também, tenham acesso a esta medicação. Mães que lutam, que plantam, que enfrentam preconceitos e barreiras sociais, mas continuam na luta. Cada vez mais estou aprendendo sobre a cannabis e a gestação, sobre a cannabis e ser mãe, pois esta é uma planta chave que alivia sintomas de várias doenças. É uma planta mãe.

Me sinto privilegiada por estar vivendo este momento junto com a cannabis e compartilhando com outras mães.